Trabalho em meus relatórios ainda intrigado com a
imagem daquele homem. Desço os dezesseis lances de escada para almoçar, porque
estava estragado o elevador, e vou com a fixa ideia de ir falar com aquele ser
deplorável. Aquilo soava tão absurdo e melancólico que eu tive de intervir.
Porém, a bem da verdade, inconscientemente eu estava mesmo é precisando me
sentir superior a alguém, sendo ele a vítima perfeita.
O clima está agradável e, na medida em que eu me
dirigia à choupana do homem, a luz do sol refletida nos ladrilhos irregulares
da praça faz com que aquilo pareça uma miragem embargada num deserto. Chego
vagarosamente, buscando enxergar o que acontecia ali. A morada é realmente um
toldo de lona, com armação de madeira em forma de triângulo e algumas dezenas
de quinquilharias pendendo no que parecia uma porta. O homem está sentado de
costas para a porta, fazendo sei lá o quê com algumas linhas, um pedaço de
metal afiado e cubos sólidos de madeira. Pergunto se necessita de algo, pois
aparenta estar em petição de miséria, ao que ele me responde, ainda de costas: - Não me tires o que não podes me dar.
Vacilei por sua resposta crua e direta, pois estava
ali, trajado de arrogância, para oferecer um pouco de atenção aquele homem
esquecido pela sociedade. Foi então que, depois de alguns longos minutos
naquela constrangedora cena, eu ainda sem saber o que fazer ou dizer, ele vira
a cabeça e, me encarando nos fundos dos olhos, mostra que eu lhe retiro a luz
do sol com a sombra do meu corpo encurvado e curioso.
Página 5
Nenhum comentário:
Postar um comentário