Espantada com minha coragem e altruísmo ela tenta
disfarçar que percebera aquele orgulho idiota que eu tenho. Finalmente
encontrara alguém pior que eu, deve ter pensado ela sobre o que eu pensei sobre
ele. Mas deixa escapar nas entrelinhas do olhar que o mendigo havia me dado uma
aula. E eu não podia deixar as coisas como estavam. Agora era pessoal. Se até
um mendigo era melhor que eu aos olhos de Sophia, eu deveria travar um novo
embate para mostrar que não sou tão medíocre assim. Decido, então, que amanhã
terei com ele novamente. Mas será um bate-papo mais agressivo, mais invasivo.
Resultado da noite, não concilio o sono.
Irado pela noite insone, depois de dormir apenas
algumas horas, ainda deitado começo a cogitar a hipótese de dizer ao meu chefe
que estou de cama. Inventarei alguma doença grave, talvez uma morte na família,
incêndio no apartamento. Desisto da ideia, daria mais trabalho ir ao telefone
aguentar os esporros do que ir trabalhar um dia inteiro. Chego ao escritório e
vou, involuntariamente, direto à janela. Assisto impassível ao mendigo lá em
baixo à sua maneira, lembrando daquele olhar, que parecia cansado, mas justo e
sincero, sublime e sagaz. Um olhar que poucos homens detêm.
Encerro mais uma vez o serviço, deixando por sobre a
mesa quase o mesmo número de pastas que tinham na véspera. Desço novamente
aquelas escadas, pensando no elevador quebrado e em falar de novo com mendigo.
Já é noite, e a taba do índio urbano se ilumina pelas luzes dos postes da
praça, dos faróis e semáforos próximos.
- E aí, descansando um bocado?,
pergunto.
- Estou me preparando
para meditar, diz o velho.
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