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segunda-feira, 16 de abril de 2012

O Mendigo da Praça da Alfândega - Capítulo I


Espantada com minha coragem e altruísmo ela tenta disfarçar que percebera aquele orgulho idiota que eu tenho. Finalmente encontrara alguém pior que eu, deve ter pensado ela sobre o que eu pensei sobre ele. Mas deixa escapar nas entrelinhas do olhar que o mendigo havia me dado uma aula. E eu não podia deixar as coisas como estavam. Agora era pessoal. Se até um mendigo era melhor que eu aos olhos de Sophia, eu deveria travar um novo embate para mostrar que não sou tão medíocre assim. Decido, então, que amanhã terei com ele novamente. Mas será um bate-papo mais agressivo, mais invasivo. Resultado da noite, não concilio o sono.

Irado pela noite insone, depois de dormir apenas algumas horas, ainda deitado começo a cogitar a hipótese de dizer ao meu chefe que estou de cama. Inventarei alguma doença grave, talvez uma morte na família, incêndio no apartamento. Desisto da ideia, daria mais trabalho ir ao telefone aguentar os esporros do que ir trabalhar um dia inteiro. Chego ao escritório e vou, involuntariamente, direto à janela. Assisto impassível ao mendigo lá em baixo à sua maneira, lembrando daquele olhar, que parecia cansado, mas justo e sincero, sublime e sagaz. Um olhar que poucos homens detêm.

Encerro mais uma vez o serviço, deixando por sobre a mesa quase o mesmo número de pastas que tinham na véspera. Desço novamente aquelas escadas, pensando no elevador quebrado e em falar de novo com mendigo. Já é noite, e a taba do índio urbano se ilumina pelas luzes dos postes da praça, dos faróis e semáforos próximos.
- E aí, descansando um bocado?, pergunto.
- Estou me preparando para meditar, diz o velho.


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