Vejo seu rosto pela primeira vez. Aparenta ter cerca
de setenta anos, com a pele moura pela ação do sol, longos cabelos
semigrisalhos e pouca carne no rosto. Tem uma aparência impactante para alguém
como eu. No entanto, seu olhar é dócil.
Depois de perceber o que tinha feito, me acocoro ao
seu lado e ele, voltando ao seu trabalho manual, me pergunta: - O que achas que podes me dar e que ainda
não tenho?
Respondo que ele parece estar com fome, pois parece
delgado e tem com profundas olheiras. Ele, esboçando um sorriso franco no canto
da boca, olhando com um olhar frio e condescendente, diz com firmeza: - Tu deves estar com mais fome que eu, pois
pareces estar delgado de tantas outras coisas além daquilo que podes te
empanturrar.
Naquele eterno instante quedo-me inerte, sem
palavras, olhando o velho. Não era só pela maneira que ele falava, com
português correto, a calma plena e a profunda sabedoria. Eu poderia esperar
isso de um erudito, de um professor, de um mestre, mas de um mendigo? Me sinto,
além de humilhado, completamente confuso e curioso.
Então, tentando extrair mais um pouco dele, pergunto
em que pareço estar faminto.
- Em ter - disse o velho.
- Em ter o quê? - retruco.
- Em ter, não em ser.
Não entendo de pronto o que ele diz, mas compreendo
o que lhe se afigura. Minha imagem realmente aparenta fome. Fome de poder, fome
de dinheiro, de ser um Filipe. Fome de ter, como ele mesmo fala. Desviando de
minha mediocridade, lhe faço outras perguntas.
- E o senhor, não tem
fome de nada?
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