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segunda-feira, 16 de abril de 2012

O Mendigo da Praça da Alfândega - Capítulo I


Vejo seu rosto pela primeira vez. Aparenta ter cerca de setenta anos, com a pele moura pela ação do sol, longos cabelos semigrisalhos e pouca carne no rosto. Tem uma aparência impactante para alguém como eu. No entanto, seu olhar é dócil.

Depois de perceber o que tinha feito, me acocoro ao seu lado e ele, voltando ao seu trabalho manual, me pergunta: - O que achas que podes me dar e que ainda não tenho?
Respondo que ele parece estar com fome, pois parece delgado e tem com profundas olheiras. Ele, esboçando um sorriso franco no canto da boca, olhando com um olhar frio e condescendente, diz com firmeza: - Tu deves estar com mais fome que eu, pois pareces estar delgado de tantas outras coisas além daquilo que podes te empanturrar.
Naquele eterno instante quedo-me inerte, sem palavras, olhando o velho. Não era só pela maneira que ele falava, com português correto, a calma plena e a profunda sabedoria. Eu poderia esperar isso de um erudito, de um professor, de um mestre, mas de um mendigo? Me sinto, além de humilhado, completamente confuso e curioso.

Então, tentando extrair mais um pouco dele, pergunto em que pareço estar faminto.
- Em ter - disse o velho.
- Em ter o quê? - retruco.
- Em ter, não em ser.
Não entendo de pronto o que ele diz, mas compreendo o que lhe se afigura. Minha imagem realmente aparenta fome. Fome de poder, fome de dinheiro, de ser um Filipe. Fome de ter, como ele mesmo fala. Desviando de minha mediocridade, lhe faço outras perguntas.
- E o senhor, não tem fome de nada?


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