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segunda-feira, 16 de abril de 2012

O Mendigo da Praça da Alfândega - Capítulo I


Há em volta do velho um conjunto inteiro de louças, talheres entalhados na lenha, ornamentados e delineados. Linhas de lã com cera prendem esteiras que formam uma pequena mesa a sua frente, onde um incenso exala uma estranha fragrância agradável. Um prato igualmente esculpido em madeira tem um punhado de algum tipo de grão, que não faria cócegas ao estomago de um pássaro.
- Bonitos trabalhos. Mas essa comida não é muito pouca?
- É o suficiente para que eu permaneça bem para pensar e meditar.
- E como você aprendeu a se sustentar com tão pouco?
- Aprendi com meu velho avô que precisamos pensar, meditar e jejuar.
- E para que servem essas três coisas? – pergunto rindo por dentro da ingenuidade do velho.
- Jejuar condiciona o homem a não ter fome quando ele não tem o quê comer. A fome torna o homem escravo, o faz aceitar qualquer coisa em troca de pão. Pensar ensina a termos calor, quando estamos com frio. Ensina a ter paciência. Meditar ensina a não sentirmos dor quando estamos feridos.
- Se você quiser, posso lhe pagar uma refeição melhor, mais farta. Também tenho cobertas e remédios, já vem aí o inverno.
- Chega de fartura! Já cultuei meu estômago em outros tempos. Agora compreendi que ele não passa de mais um órgão pertencente a este corpo. Serve apenas para me dar energia para pensar. Necessito de pouca para pensar, já que aprendi a jejuar. Também não me serve agasalho, tampouco remédios. O abrigo nos tira o aprendizado do frio; remédios nos tiram o aprendizado da dor. Não sinto necessidade de calor, nem tampouco maquiar minhas dores. Pensar é minha manta e meditar é meu remédio.
- Mas e as carnes que lhe faltam no rosto? Sua pele já deformada pelo sol? Os músculos que lhe faltam nos braços e pernas? Essas feridas abertas? Tudo que seja para o bem disso é inútil?


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