Há em volta do velho um conjunto inteiro de louças,
talheres entalhados na lenha, ornamentados e delineados. Linhas de lã com cera
prendem esteiras que formam uma pequena mesa a sua frente, onde um incenso
exala uma estranha fragrância agradável. Um prato igualmente esculpido em
madeira tem um punhado de algum tipo de grão, que não faria cócegas ao estomago
de um pássaro.
- Bonitos trabalhos. Mas
essa comida não é muito pouca?
- É o suficiente para que
eu permaneça bem para pensar e meditar.
- E como você aprendeu a
se sustentar com tão pouco?
- Aprendi com meu velho
avô que precisamos pensar, meditar e jejuar.
- E para que servem essas
três coisas? – pergunto rindo por dentro da
ingenuidade do velho.
- Jejuar condiciona o
homem a não ter fome quando ele não tem o quê comer. A fome torna o homem
escravo, o faz aceitar qualquer coisa em troca de pão. Pensar ensina a termos
calor, quando estamos com frio. Ensina a ter paciência. Meditar ensina a não
sentirmos dor quando estamos feridos.
- Se você quiser, posso
lhe pagar uma refeição melhor, mais farta. Também tenho cobertas e remédios, já
vem aí o inverno.
- Chega de fartura! Já
cultuei meu estômago em outros tempos. Agora compreendi que ele não passa de
mais um órgão pertencente a este corpo. Serve apenas para me dar energia para
pensar. Necessito de pouca para pensar, já que aprendi a jejuar. Também não me
serve agasalho, tampouco remédios. O abrigo nos tira o aprendizado do frio; remédios
nos tiram o aprendizado da dor. Não sinto necessidade de calor, nem tampouco
maquiar minhas dores. Pensar é minha manta e meditar é meu remédio.
- Mas e as carnes que lhe
faltam no rosto? Sua pele já deformada pelo sol? Os músculos que lhe faltam nos
braços e pernas? Essas feridas abertas? Tudo que seja para o bem disso é
inútil?
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