- Sim, é tudo
inútil. Aprendi a não necessitar mais de meu corpo. Ele é apenas veículo de meu
espírito. E meu espírito é livre, quando saio dele. Quando medito, posso sair
dessa forma decadente e me transformar em qualquer coisa.
Transporto-me para qualquer ser de alma. Em cão, em árvore, em pássaro.
Claro que eu não acredito naquilo, ninguém pode se
transportar para outro lugar. É impossível. Eu, sendo ateu desde a morte do meu
pai, não posso conceber o que o velho fala e tudo aquilo me parece muito
infantil.
- Mas então me diga que
posso eu fazer para parecer menos faminto?
- Podes aprender a
jejuar, pensar e meditar. Talvez seja um grande avanço.
- Mas se jejuar, ficarei
com mais fome!
- Cessarás de passar a
fome dos homens; passarás a sentir a fome dos deuses. Cessarás de sujeitar-te a
caprichos alheios; passarás a seguir teus próprios caprichos, até aprender a
não tê-los mais. A escassez é a maior inimiga do homem. Mas a escassez para
espírito daqueles que sabem viver em verdade ela é um alento.
Olho para o relógio e já se passam 45 minutos
daquele diálogo maluco. Não posso me demorar mais, pois Sophia me pediu para
trazer comigo alguns legumes e massa para o jantar. Tinha de passar no mercado
e também na farmácia. Explico minha situação e me despeço do velho.
- Vai-te homem tolo.
Continua tua jornada de sujeição e a embriaguez de afogar-se em si mesmo.
Indignei-me. Como pôde me chamar de tolo, logo ele
que vivia a se amontoar de quinquilharias num canteiro de uma avenida? Dou de ombros,
rosno um pouco e vou embora. Noutro dia, tiraria as devidas satisfações.
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